JUÍZA DE SÃO BERNARDO UTILIZA REDES SOCIAIS PARA APROXIMAR POPULAÇÃO DO JUDICIÁRIO

JUÍZA DE SÃO BERNARDO UTILIZA REDES SOCIAIS PARA APROXIMAR POPULAÇÃO DO JUDICIÁRIO

A magistrada Carolina Nabarro, juíza de direito da 1ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo, jornalista e escritora, encontrou nas redes sociais uma forma de tornar o Judiciário mais acessível à população. Com vasta experiência na magistratura e na comunicação, decidiu usar sua bagagem para esclarecer temas jurídicos de forma simples nas redes sociais no @ paposobrejustica.

A iniciativa surgiu durante seu mestrado, quando estudava a relação entre juízes e a imprensa. Foi então que viu nas redes sociais um canal direto com o público. Incentivada por um ex-estagiário, criou sua página, inicialmente privada, até sentir segurança para compartilhá-la abertamente.

Hoje, além de explicar leis e decisões, sua conta também aborda concursos públicos e dicas para profissionais da área. Carolina defende que a comunicação transparente deve ser um compromisso de todo o poder público. Segundo ela, a falta de conhecimento sobre as instituições pode gerar desconfiança e enfraquecer o Estado de Direito. “O Judiciário tem um papel social e precisa se comunicar de forma clara e objetiva com toda a sociedade. A transparência e a educação jurídica são fundamentais para fortalecer a democracia e garantir que a população compreenda seus direitos e deveres”, afirma.

A TRAJETÓRIA NA MAGISTRATURA

Carolina ingressou simultaneamente nos cursos de Direito e Jornalismo aos 17 anos. Sem referências familiares na área jurídica, foi pioneira ao entrar na USP. Durante a graduação, encontrou uma oportunidade no Escritório Experimental da OAB, prestando assistência jurídica gratuita à população carente.

Ao concluir Jornalismo, focou nos estudos para concursos. Desde jovem, destacava-se em provas escritas, mas sua timidez a prejudicava nas etapas orais. Aos 22 anos, chegou à fase oral da magistratura trabalhista, mas não foi aprovada. “Um dos examinadores aconselhou-me a ganhar experiência na advocacia antes de tentar novamente. Saí arrasada, mas não desisti do meu sonho”, relembra.

Determinada, conseguiu um emprego como advogada, equilibrando trabalho e estudos. Prestou diversos concursos e apesar das frustrações, persistiu, acreditando que cada “não” a direcionava ao caminho certo. Paralelamente, foi aprovada como procuradora do município de Santo André. Durante a prova oral do concurso da magistratura na que foi aprovada, viveu um momento marcante quando o presidente da banca fez uma brincadeira inusitada. Ele afirmou ter uma carta do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, alegando que a candidata era indispensável para a administração municipal. Com presença de espírito, respondeu: “Já contribui para a cidade e agora desejo fazer um bom trabalho na magistratura”. Conquistando então sua sonhada aprovação.

MULHERES NO JUDICIÁRIO

Em seu primeiro cargo como juíza substituta em Santos, enfrentou desafios tanto na adaptação à rotina da magistratura quanto no ambiente de trabalho, onde era comum ser subestimada devido à sua juventude e ao fato de ser mulher. “Muitas vezes, quando eu estava sentada à mesa do juiz, as pessoas perguntavam se ele ainda não tinha chegado”, relembra.

O direito ainda era um campo dominado por homens, e advogados experientes frequentemente tentavam impor autoridade sobre ela. Hoje, com 27 anos de carreira, reflete sobre a evolução da presença feminina no Judiciário. “No meu concurso, foi a primeira vez que houve mais mulheres aprovadas do que homens. Era um novo tempo chegando.”

CASOS MARCANTES

No início da carreira, Carolina teve que lidar com casos delicados, como ordens de despejo de famílias inteiras, onde via o desespero e o choro de pessoas que não sabiam para onde ir. Um dos casos que mais a impactou foi quando uma liminar concedida a uma construtora resultou na demolição de uma casa sem autorização. Dias depois, fotos anexadas ao processo mostravam os escombros e, em meio a eles, um sapatinho de criança. “Aquilo me gerou uma revolta tão grande. Porque não havia determinação para a demolição, e mesmo depois de tudo ser revertido e a pessoa ser indenizada, o trauma que ela viveu foi para sempre.”

Outro caso que a marcou foi o de uma moradora de rua que perdeu sua égua grávida em um atropelamento. O responsável pelo acidente, dono de um carro de luxo, autorizou a eutanásia do animal sem sequer consultar a dona. “Como alguém que não é o dono pode autorizar isso?”, questiona. A Defensoria Pública assumiu o caso, buscando justiça para a mulher. No processo cível, o réu sequer se defendeu, e a condenação veio de forma clara. “Muita gente acha que não há justiça para quem não tem dinheiro, mas a Defensoria Pública presta um serviço essencial, com profissionais extremamente qualificados.”

Outro episódio marcante envolveu um trabalhador portuário que morreu prensado por bobinas durante o carregamento de um navio. Seu pai, ao ouvir o relato da testemunha sobre a morte do filho, passou mal no tribunal e precisou de atendimento médico imediato. “Hoje, com mais experiência, eu pediria que ele não assistisse a esse depoimento. Mas, na época, eu ainda era juíza substituta e não tive essa percepção. Foi um momento extremamente difícil.”

O JUIZ VISTO POR ELE MESMO

Em seu livro “O Juiz Visto por Ele Mesmo”, a magistrada propõe uma análise profunda sobre o papel da magistratura na sociedade, abordando temas como diversidade, transparência e a importância do Judiciário para a manutenção da democracia. Com uma abordagem instigante, a autora discute como os juízes são tanto agentes de mudança quanto instrumentos de manutenção do “status quo”, trazendo reflexões essenciais sobre a neutralidade e a responsabilidade do magistrado.

Carolina questiona o modelo atual da Justiça e propõe um olhar crítico para o futuro, enfatizando a necessidade de um Judiciário mais representativo e acessível. “A presença de mulheres e pessoas negras na magistratura, não é apenas uma questão de equidade, mas também de fortalecimento institucional. Afinal, um Judiciário que reflete a diversidade da sociedade contribui para decisões mais justas e equilibradas”, afirma.

A obra se destaca por ser uma das poucas escritas por um juiz sobre o próprio ofício, preenchendo uma lacuna na literatura jurídica. Com isso, a autora não apenas desmistifica o papel do magistrado, mas também convida a sociedade a repensar seus valores e expectativas em relação à Justiça.

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